Observo atônita a parede azul que agoniza. Ainda ontem as paredes azuis eram, todas elas, a parede diante da qual velamos o corpo da minha mãe.
Há paredes que não suportam o peso das horas que passam cada vez mais rápidas pelo relógio de frios ponteiros metálicos. As paredes distinguem universos e delimitam mundos. Mudas, as paredes testemunham e envelhecem.
Na parede azul há buracos preenchidos por pregos e imensos oceanos de ausência. Há paredes em todas as casas, entre as famílias. Dissimuladas, há paredes de aparência frágil que são intransponíveis. Algumas paredes descascam em chagas profundas e apodrecem quando banhadas pelas lágrimas da infiltração. Outras paredes, poucas e mais felizes, têm janelas por onde recebem, além do calor e da luz, a brisa dos dias teimosos que insistem em amanhecer.
No centro da mesa de jantar, antes do tilintar dos copos, ergueu-se uma parede alta. Nossa última oportunidade. Sobre o aparador, refletida no espelho, a marreta permaneceu intocada. Nenhum de nós sujou as mãos.