28 de mar. de 2010

Sereia

Piracemando multiplicavam-se entre as distantes margens do límpido rio fartamente iluminado mesmo nas mais nubladas estações. Porque eram peixes, nadavam. Acardumavam-se de acordo com as afinidades pela biologia explicáveis e aceitavam em seus cardumes outros não-afins talvez explicados pela sempre misteriosa natureza.
Porque nadavam, sobreviviam. Venciam em pequenos ou grandes grupos os não raros trechos de águas caudalosas. Fugiam do perigo das iscas e da ameaçadora facilidade das grandes redes; em dias chuvosos, refocilavam. Das espinhas às escamas, guelras e nadadeiras, eram plural felicidade. Ainda assim, alguns deles, frequentemente deslumbrados, acreditando ousar, se desgarravam.
Debatendo-se em uma quase-poça, restante da última cheia, Sereia foi encontrada pelos pescadores com a cabeça ainda imersa nas águas turvas que seus inexpressivos olhos de peixe tomavam como profundidade. Foi levada, louvada, lavada e limpa. Em postas, jaz despedaçada, já fria e assada, sobre a amanhecida mesa do jantar.