30 de set. de 2012

Pas de deux

Depois de décadadas de encantamento com os sóis, o céu, os vôos dos pássaros e outras deliciosas grandezas naturais, arredondei-me em uma leve curvatura cervical e, menos ereta - por isso consciente do desejo e da necessidade da prática da pequeneza -, tornei-me atenta, quase obcecada, ao constante movimento dos meus pés.
Passo após passo, caminhar revelou-se uma atividade potencialmente aflitiva. Já não via as pedras e ignorava os buracos e calçadas íngremes. Não sabia se caminhava sobre o asfalto ou se equilibrava o corpo, subitamente enlevecido, sobre o meio fio. Ganhei atenção nos dedos e uma saborosa ignorância no olhar. Passei a sentir a brisa sobre as unhas e a sujidade acumulada em camadas entre as cutículas crescentes e o esmalte vermelho. Descobri novos saltos reiventando velhas maneiras de impulsionar. Equlibrava todo o peso sobre os calcanhares e já não sentia as pedras pontiagudas que por vezes perfuravam a pele espessada pela fricção contra o tempo.
Durante a exploração dos pés descobri novos modos de tatear, de me sentir sólida e transbordante sobre um mundo contaminado pela aridez. Experimentei a sensação de estar menos pressionada pela atmosfera que muitas vezes oprime; de ser, também, e principalmente, fonte de expiração e de vida úmida, passagem de ar.
Reduzida a um par de pés caminhantes, aprendi coreografias para brincar com as possibilidades oferecidas pelo corpo de que sou parte, pela brevidade do meu corpo. Percebi novos eixos, ignorei retas e restos, passei a me relacionar melhor com os planos que me atravessam.
Dancei as limitações para experimentar novas maneiras de estar em mim.

22 de set. de 2012

Tuitéria

Só acreditava em finais infelizes. Desejava o vazio, o abandono, o silêncio e as fraquezas todas. Arruinada, poderia recomeçar.

14 de set. de 2012

natimorto

o piso roto
posto
sobre a pedra
rasgada

a cobertura
parva
do descanso
eterno

ascender ao fogo
romper o pó:

13 de set. de 2012

Saramado

Adoraria escrever um discurso longuíssimo, mas há sensações que as palavras não dão conta de abrigar. Sobra afeto. Faltam braços.
Sinto como se deixasse um bilhete acanhado à porta daquele por quem nutro admiração.

Algumas palavras minhas na homenagem "90 anos, 90 palavras", no sítio da Fundação José Saramago, aqui.

9 de set. de 2012

Biblioteca: Um pouco de poesia

Do livro n.d.a.:


...
nenhuma das alternativas
me alivia -
nem a lâmpada acesa
nem o sol da Bahia
nem o dom da beleza
nem a anestesia
...


n.d.a - Arnaldo Antunes - 208 páginas - Editora Iluminuras



Do livro Há Prendisajens com o Xão
O Segredo Húmido da Lesma & outras descoisas:


também:
aprendizagem é a palavra que, ela sim, ramifica e desramifica uma pessoa; ela enlaça, abraça; mastiga um alguém cuspindo-o a si mesmo, tudo para novas génesis pessoais.
estas palavras são, elas sim, para pessoas que se autorizam constantes aprendicismos. modos. maneiras. viveres. até sangues. aprendizar não é repessoar-se?



Há Prendisajens com o Xão - Ondjaki - 72 páginas - Editorial Caminho