26 de mai. de 2014

I

É bom que seja assim, Dionísio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto.
Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo.
E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.


ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ. DE ARIANA PARA DIONÍSIO, da Hilda Hilst, na página 51 do livro Júbilo, memória, noviciado da paixão

20 de mai. de 2014

inicia a busca entre as formigas e as flores, no matagal recém-carpido dos terrenos do ócio. procura palavras na ferrugem dos pregos usados, no metal torto, na força que resistiu às marteladas, na história das molduras dos quadros agora despendurados. encontra a absurdez das rimas nas paisagens antigas feitas às pinceladas, nas cores das falsas janelas de uma vida sempre imóvel. busca a inspiração na escuridão e no podre, no triste e deteriorado. encontra frases no alimento dos vermes, em tudo aquilo que precisa da morte estúpida para provar que viveu.