Sim, eu sou filha de militares e, feliz ou infelizmente, nasci em uma família de muitos militares.
Cresci sabendo que policiais militares são pessoas e que a instituição, como qualquer outra instituição, reúne pessoas que trabalham por diferentes objetivos e que muitas delas não têm caráter ou cultivam ideais que beneficiem a sociedade.
Nasci da união de dois seres bastante diferentes, profissionalmente opostos, por isso conheço diferentes lados da mesma moeda.
Uma das imagens mais marcantes da minha vida é a da minha mãe, que por poucos meses não foi promovida a tenente-coronel, fardada, sentada no sofá da sala, fazendo tricô enquanto esperava a viatura que viria buscá-la.
Guardo na memória afetiva os olhares admirados dos meus colegas de escola quando viam aquela mulher linda - que, por algum motivo (para mim) sobrenatural, decidiu usar a farda e servir ao Estado - que ia às reuniões de pais, às quais meu pai nunca compareceu, ou precisava me levar das aulas antes que elas terminassem, porque queria estar comigo antes de ir trabalhar. Guardo os recortes de jornal e as histórias bonitas do tempo em que ela, como outras policiais militares, trabalhou no Amparo Maternal. Guardo também as histórias tristes que ela presenciou nos momentos em que mulheres, quase sempre miseráveis, foram detidas em flagrante e só puderam ser revistadas por outras mulheres. Tenho aqui inúmeras páginas escritas por ela, que dedicou muitos anos de trabalho (mesmo depois de debilitada pelo câncer que viria a matá-la) a projetos que visavam a melhoria do trânsito e do policiamento ao redor das escolas - quando as escolas ainda não eram nem a sombra do problema que hoje são.
Por tudo isso, antes de me acusarem de hipócrita quando me valho da internet para compartilhar mensagens consideradas subversivas (eu diria "de esquerda", como me disseram, se ainda houvesse esquerda no Brasil), estejam cientes de que eu aprendi o mundo a partir de um olhar de doçura, que leva o outro em consideração para ponderar o que é justo.
O que a PM está fazendo em São Paulo é errado. E, por mais que eu guarde belas lembranças da farda da mulher que mais admiro e respeito, não compactuo com a violência absurda e com o circo que os policiais - que também são cidadãos, embora pareçam ter esquecido disso - estão armando em torno de um dos movimentos mais significativos que vejo acontecer.
Se me mantivesse calada seria conivente com eles. E eu não sou.