29 de dez. de 2011

"As palavras pedra ou faca ou maçã, palavras concretas, são bem mais fortes, poeticamente, do que tristeza, melancolia ou saudade. Mas é impossível não expressar a subjetividade. Então, a obrigação do poeta é expressar a subjetividade mas não diretamente. Ele não tem que dizer eu estou triste. Ele tem é que encontrar uma imagem que dê idéia de tristeza ou do estado de espírito - seja ele qual for - por meio de palavras concretas e não simplesmente se confessando na base do eu estou triste."

João Cabral de Melo Neto

28 de dez. de 2011

Me atraio, sobretudo, pelo que não me diz respeito. Pelo brilho multicor e pela profundidade das sombras do desconhecido. Sou guiada pela saborosa descoberta da virgindade de tudo aquilo que ainda não sou eu.
Com a pele nua, tateio as ásperas estranhezas do que posso tornar parte de mim: tudo.

17 de dez. de 2011

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Faço poesia com palavra morta e aceito pagamento em mãos.
A vida não está fácil, você sabe. Plantamos as palavras e, quando menos esperamos, o vento leva, as pragas corroem, as águas conduzem para rios que alagam represados, e a palavra dispersa se desfaz liquefeita - o que a torna inútil para os que amam, embora mais valorizada comercialmente.
Vendem palavras para os porcos que fuçam o desconhecido enquanto nós nos engasgamos e quebramos os dentes mastigando pérolas.
Moldo palavras entre os dedos e guardo seus restos dourados no que resta das cutículas. Degusto sobras de palavras limpando os dedos com a língua, passando as unhas entre os dentes.
Palavra é coisa que nasce mole e, endurecida, eterniza-se companheira da solidão.

26 de nov. de 2011

A Erika

A Erika tem filhas, marido e uma barraca na feira - nas feiras, porque muitas feiras acontecem durante a semana, em diversos bairros da cidade.
Eu e a Erika nos vemos às terças e quintas, que são os dias em que a feira acontece perto da casa verde em que vivo feliz.
A família da Erika me distingue da minha irmã pelo sorriso. Todos eles, que trabalham juntos na barraca, sabem que eu falo [de]mais. A Erika tem muitas bolsas bonitas e caras, que comprou quando morou no Japão.
As frutas da Erika são as mais bonitas e cheirosas, são diferentes. Ela vende as maiores e mais saborosas alcachofras do mundo, mas só sob encomenda. Minha avó conhece o papaya da Erika com o olhar.
Ontem foi sexta-feira e a Erika trouxe à minha casa as frutas que não comprei na quinta. Em uma das sacolas, um bilhete:

Coloquei o inhame para você aproveitar e o pêssego e a manguinha é para você experimentar. Cortesia da casa.
Beijo

Erika

Obrigada
Deus abençoe


A Erika é morena e briga comigo, aos berros, quando vou à feira muito tarde ou quando desapareço. Ela tem longos cabelos negros e recentemente começou a usar esmaltes alegremente coloridos. Toma café às 8 e come pastéis da esquina ou pães da padaria que frequentei durante a infância. A Erika tem olhos doces e o sorriso largo. A Erika tem amor - e minha eterna admiração.




Quase acredito em um deus nas raras vezes em que a menção do pequeno nome acompanha a grandiosidade de um gesto.

18 de nov. de 2011

No mar de barcos sem flores, o céu dos céticos. Sobre o largo movimentar das ondas, imensidão.
Olhos do silêncio cego: a fuga e o afago. A força física e o vigor dos corpos que somos nós.
Nós.
Os piratas imberbes desconhecem a quaseternidade dos ossos. Ignoram o sussurrar inaudível que acalanta o coração.
Havia motivos de sobra para ficar. O calor da pele e o conforto das palavras. A leveza. A doçura e a surpresa simulada no não raro encontro com o olhar.
Havia sonhos únicos e palavras muitas. Alegria. Havia braços, pernas e mãos.
Percorreu os descaminhos com pés descalços; a passos firmes, despedidas breves.
Acariciou cada uma das paredes lentamente, como se as apreendesse com as palmas das mãos. Sorriu para o pé direto alto como se isso os assemelhasse em grandeza; como se o gesto possibilitasse a retenção da lembrança e o movimento fosse garantia de exatidão.
Dançou o espaço e perdeu-se no vento. Através das portas e janelas abertas, tornou-se ar.
Vaga dispersa e livre. Leva as chaves no bolso, mas não volta.
Entre a fugacidade dos sóis alheios, encontrou abrigo para o pulsar alegre da solidão.

2 de set. de 2011

Às vezes a vida engole a poesia e, tornada poema, se estende infinita.
Deseja as alturas pelo simples prazer de encompridar.

18 de jul. de 2011

seja leve
brasa
brisa breve

releve
renove

revele-se

Admiração

Das muitas atitudes humanamente imperfeitas, poucas são mais belas que a sinceridade. Bendito seja o sim absoluto e inquestionável, acompanhado pela troca de olhares e pela proximidade dos lábios que não admitem o detestável sabor do talvez. Louvado seja o não, ainda que passageiro, dito com alguma graça e toda a leveza possível, explorando o toque suave da brevidade da negativa.
Que, apesar das discrepâncias e acima dos pré-conceitos, aconteçam os encontros. Que possamos ser melhores aos nossos olhos para não sofrer ao contemplar o espelho revelado a partir do olhar alheio. Que a capacidade de acolher sobreponha a urgência dos julgamentos quase sempre equivocados.
Para que possamos ser maiores a ponto de nos virmos infinitamente pequenos quando descobrirmos que somos todos um só; que, através de nós, revele-se e reverbere do outro tudo aquilo que é digno de admiração.

6 de jul. de 2011

Biografia do Saramado, mais uma. Sagarana, do Guimarães Rosa; haverá um dia lindo e faremos amor quando meus neologismos finalmente encontrarem os seus. O Mal de Montano, Enrique Vila-Matas, que é sempre bom de ler; dizem que escreve para escritores, mas sinto que escreve para mim. Contos dos Irmãos Grimm, da Clarissa Pinkola Estés, sempre presente na cabeceira e na vida - a autora, não esse livro, que ainda não li, mas vi que tem um dos mais belos projetos gráficos e ilustrações. Aprendendo a Viver, da Clarice, que só quando comecei a ler descobri que é a republicação das melhores crônicas publicadas em A Descoberta do Mundo, que ganhei do meu pai, com dedicatória e tudo, e já li há séculos. Deve haver algum motivo para que os textos tenham voltado para mim. Descobrirei. Contra um Mundo Melhor, Luiz Felipe Pondé; conheci o autor em um café filosófico e gostei do título. A arte do livro é belíssima também. E, finalmente, a Viagem a Portugal; por ora, no livro do Saramago, que lerei aos poucos, com medo de acabar. Algumas das palavras que penetram na carne terminam na pele.
Férias escolares, primeiro dia.

31 de mar. de 2011

Reincidente

Aconteceu mais uma vez.

Um dos meus contos está na edição atual da revista que, apesar dele, continua ótima e pode ser lida AQUI.

28 de mar. de 2011

Idealismo

Eu só queria outra pele estendida, menos saturada, não tão marcada quanto esta que, enquanto sonha, sangra. Uma nova face ao observar o espelho, novos olhos. Queria a inexplicável novidade imaculada, que sobrevive ao tempo porque ainda não foi amada, que respira liberta como quem nunca amou.


..


Sem pátria ou pares (des?)espero: a infinitude das pequenezas desbravadas prepara-se para o reencontro: o eterno retorno à imensidão do desconhecer.

27 de fev. de 2011

Biofagia

Tenho sono, sede e fome. Experimento sensações a partir de realidades e sonhos. Devorando tudo o que é vida, ocupo-me a ponto de não mais regurgitar.
Em vão, não.