30 de nov. de 2012

Novembro

Uma das grandes alegrias foi ver um textículo escrito por mim publicado na página 55 da revista Blimunda #6, celebrando os 90 anos do José Saramago.


A revista está disponível online, aqui.

Do afeto

Hoje terminamos a caixa para guardar discos de vinil. Minha avó fez a parte mais bonita, a tampa craquelada. Extensos veios dourados na planície cor de cereja. A mim couberam a pintura lisa, a colocação das rodinhas transparentes escolhidas por ela e a aplicação do verniz em spray, a proteção brilhosa do despertador da rinite esquecida.
Mamão dulcíssimo no desjejum, às seis. Fiz pão integral com sementes de chia para o café da manhã das minhas meninas, que despertam quase sempre depois das dez e meia.
Manoel de Barros, gargalhadas, panos de prato pintados, aplicações e bordados. Marisa Monte, passa-fita, estampas e sianinha. Telenovelas exibidas para o vazio: desperdício sem culpa.
No final da noite, como em todas as outras noites, florais, chá-chá-chá, beijos e abraços - substitutos da monótona oração ao deus descrente.

Meu sono não vem.

O aroma do bolo de nozes perfuma a madrugada; dizem alguns vizinhos que ele atravessa a garagem e que chega a dobrar a esquina nos dias mais claros. Antes de renascer bocas adentro, ultrapassamos os quintais.

27 de nov. de 2012

Tuitéria


A madrugada cega ignora todos os gritos do abismo.


***

É como uma goteira de alma. Ela sai fininha e pouca, mas, quando me dou conta, tenho uma extensa poça morta sob mim.

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Só quando disse que vivia em uma bomba-relógio percebeu que via o mundo de dentro de uma bola de sabão.

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Minha vida sou eu.


26 de nov. de 2012

Atualização da Biblioteca: Vermelho Amargo



"Um dia eu soube que o arco-íris é filho da admiração."



Gosto de pensar que sou escolhida por determinados livros ou autores que desconheço, por isso evito ler, ver ou ouvir resenhas de livros que me pareçam interessantes. Pelo mesmo motivo, costumo rejeitar indicações de leitura vindas de pessoas próximas ou distantes.
Quem me sugeriu a leitura de Vermelho Amargo foi a Tati (dona do No país das entrelinhas), que tem bom gosto literário, é sensível e escreve muitíssimo bem. Ela disse que a escrita do Bartolomeu lembrava o que escrevo e que, ao ler o livro, lembrou de mim. Decidi ouvir as vozes da gratidão, em vez de me submeter às falsas certezas da arrogância, e fiz uma ótima escolha.
Vermelho Amargo me colocou em contato com uma melancolia a que me dou direito, que muitas vezes é considerada quase um crime entre o povo e os autores de um Brasil alegre e solar com o qual não me identifico.
Não sei se a Tati sabe que faz muitos anos que perdi a minha mãe (creio que não sabia), mas, no livro, o autor discorre sobre a ausência da mãe morta ainda na sua infância e sobre como essa ausência reverbera nos acontecimentos, reações e sentimentos, durante o passar dos anos e da vida que nos parece sempre longa demais.
Me apaixonei não só pela edição maravilhosa do pequeno livro de capa dura, que tem o corte e a impressão em vermelho, ou pela prosa poética deslumbrante tecida por Bartolomeu Campos de Queirós. Me apaixonei pelo livro como por um espelho, porque me vi em cada uma das palavras e sensações. Me vi nas sentenças inevitáveis provocadas pela mais dolorosa das ausências. Encontrei nas palavras do autor a delicadeza, as possibilidades do belo diante da lucidez assombrosa, no cumprimento de um destino sempre rude.
Em Vermelho Amargo pude perceber que a cortante e dolorosa sensação de abandono não precisa, necessariamente, ser fruto da minha amada solidão, mas pode advir do excesso de amor; porque o amor transborda e sufoca aquele que ama quando a mãe já não existe para recebê-lo incondicionalmente. Mesmo que para toda a família a vida transcorra com naturalidade, há aqueles em quem a ausência - que o passar do tempo não ameniza e torna cada vez mais profunda - jamais deixará de doer.
Li boa parte do livro aos soluços, imersa em lágrimas. Ainda assim, secretamente satisfeita e imensamente feliz. A partir de um gesto de afeto, vivi mais uma oportunidade de me reencontrar.

Vermelho Amargo - Bartolomeu Campos de Queirós - 75 páginas - Cosac Naify

21 de nov. de 2012

: psicodelia metafórica sem fim


Écran e ego.

espelho mágico!

Desterro lisérgico.

redimensão ilógica.

Extrema-unção metódica.

estado de recomposição.

Estar na companhia do não.

[amor]tecer-se abraçado ao gelo.

Árticos poemáticos.

derretimento verbal.

(In)versos do(s) tempo(s).

sóis da crendice primaveril.

Lua qualquer de joelhos.

louvação do nada.

Devoção insone.

lento desviver.



Dos diálogos entre @FugadoIntelecto e @deapaulino.

13 de nov. de 2012


Eu me perdi na sordidez de um mundo
Onde era preciso ser
Polícia agiota fariseu
Ou cocote

Eu me perdi na sordidez do mundo
Eu me salvei na limpidez da terra

Eu me busquei no vento e me encontrei no mar
E nunca
Um navio da costa se afastou
Sem me levar.

Eu me perdi - Sophia de Mello Breyner Andresen