27 de jan. de 2013

Deslugares

1.

Como eu, ele tinha poucos amigos e não era dotado de grandes habilidades sociais ou esportivas. Introvertidos, partilhávamos em silêncio o amor pelos livros e criávamos nossas histórias. Eu gostava de escrever e ele desenhava muito bem. O Rafael era o companheiro ideal para o isolamento na biblioteca. Naquela manhã nublada, pousei meus cadernos sobre a cadeira que era dele.
Tínhamos oito anos e, na última vez em que vi o Rafael, ele carregava entre os dedos a fita de cetim amarelo com uma medalha prateada, que ganhou no catecismo. Vestiram-no com a calça azul-marinho e a camisa branca que usava para ir à missa. Um anjo, diziam os religiosos. Eu já não acreditava em deus.
O Rafael não era como as outras crianças rosadas, mas parecia ainda mais pálido no cemitério, acomodado entre as paredes brancas do caixão.