Escolhi dois livros do José Luís Peixoto porque vivi, durante a leitura de ambos, experiências semelhantes, provocadoras de reações diversas.
Abraço, como o nome sugere, é um livro confortável, composto por crônicas que contam histórias deliciosas, que nos aproximam do autor. A Mãe Que Chovia, apesar de ser um livro infantil, conta uma estória inquietante - de uma inquietude grandiosa e boa, mas ainda assim inquieta para as crianças experimentadas, como eu.
Li boa parte do Abraço em voz alta, para a minha avó, que tem 81 anos e que, apesar de gostar de estórias e histórias (e de ter sido a primeira fabuladora da minha vida, durante as noites de férias, na minha infância), conquistou, com o passar do tempo, pelo vento que vincou a pele luminosa, o direito à preguiça de ler.
Durante leitura das crônicas em que José Luís Peixoto relata as experiências da infância e da juventude, vi brilharem os olhos azuis mais bonitos e curiosos de que tenho notícia. Foi maravilhoso descobrir que, apesar de muitos anos e um oceano de distância entre eles, minha avó tem recordações de vivências muito parecidas com as do autor que admiro. Interrompemos muitos parágrafos para compartilhar nossas histórias, relembrar momentos do passado recente e trocar impressões sobre o nosso tempo, que é sempre o presente, o agora - na nossa família todo tempo é hoje.
Entre as crônicas do Abraço, acompanhadas por sorrisos intermináveis que exprimiam o indizível, pudemos "reler" muitas histórias que nos transformaram em quem somos, que são parte de nós. A partir da leitura, das palavras que ecoaram pelo quarto e pela sala, Abraço tornou-se parte da nossa riquíssima biblioteca - vidoteca? ou memorioteca? - afetiva e familiar.
A Mãe Que Chovia, como o título sugere, conta a estória de um filho da chuva. Repeti a contação de estória para a minha avó, compartilhando também as bonitas ilustrações do Daniel Silvestre da Silva, no livro que é todo poesia.
Senti em A Mãe Que Chovia uma imensa força do feminino, que me é tão caro. A grandiosidade do amor materno, a ausência da mãe (porque já vivi mais da metade da minha existência com esse buraco de mãe, que é para sempre) e o poder do sentimento que nos uniu.
Interrompi a leitura muitas vezes, às lágrimas. Durante as últimas páginas, éramos três mulheres - eu, a minha avó e minha mãe, a filha dela - ainda mais filhas, ainda mais mulheres, ainda mais "mães" e muito mais fortes, porque nos sabemos cultivadoras do que nos permite, sendo muitas, sermos também uma, que é a soma de todas nós.
Abraço - José Luís Peixoto - 680 páginas - Quetzal Editores
A Mãe Que Chovia - José Luís Peixoto - 64 páginas - Quetzal Editores