Os comentários feitos pela Inês, que compartilha suas experiências de leitura e bom gosto literário no blogue OMG! She's a book reviewer!, e o ótimo título do livro Jesus Cristo Bebia Cerveja, despertaram em mim o desejo de conhecer este e outros livros escritos pelo Afonso Cruz.
Depois de muitas dúvidas, porque todos os livros do autor têm títulos e premissas atraentes, escolhi três livros para começar a aproximação - infelizmente não é possível ler ou ter toda a bibliografia de uma só vez ou imergir nas obras de todos os autores que parecem interessantes.
A Boneca de Kokoschka será lido em agosto, mas os outros dois foram lentamente devorados e antropofagicamente se transformaram em parte do eu.
O Livro do Ano, que é um livro lindo, lindo, lindo (sim, três vezes lindo), foi escrito e ilustrado pelo autor. E, embora seja preto, com algumas páginas negras e capa dura, é um livro feito de luz, porque é leve. Nele, Afonso Cruz escreveu e desenhou a vida de uma menina perguntadeira, que volta os olhos curiosos para as relações humanas e para o mundo; que nos descreve, com breves frases poéticas, situações cotidianas e indagações.
O Livro do Ano é um daqueles livros que embonitam a estante, que são bons presentes para os que amamos e que, durante a leitura e as releituras, fazem ecoarem as dúvidas e acalantam o coração.
Durante a leitura das primeiras páginas de Jesus Cristo Bebia Cerveja percebi que tinha nas mãos um bom livro e senti que faria meus todos os elogios escritos pela Inês, mas estava enganada. O livro, que conta, entre outras histórias, a história de uma garota que vive com a avó adoecida que deseja conhecer a Terra Santa, é muito melhor do que eu ousaria imaginar.
Um dos personagens do livro me fez lembrar muito do Settembrini, de A Montanha Mágica, do Thomas Mann - que é um dos meus livros favoritos na vida - porque discursa em um tom semelhante e parece desejar ocupar um espaço parecido na trama. Não costumo me afeiçoar a personagens e, ainda que Settembrini seja um dos poucos pelos quais nutro afeto profundo, quase apego, não me senti inclinada a gostar mais de um personagem que dos outros porque muitos deles são igualmente surpreendentes, como são surpreendentes os caminhos e destinos das histórias contadas pelo autor.
Me senti angustiada, à beira das lágrimas, muitas vezes, durante a leitura; mas precisei conter o escândalo das gargalhadas três linhas depois. A criatividade do Afonso Cruz desconhece limites. Por isso, nas últimas páginas, já parecia natural encontrar palavras sobre religião, sobre a tristeza da morte e da decrepitude, sobre a nossa condição de abandono e um sermão sobre a importância das minhocas ou um avião de striptease, no mesmo livro.
Quando entrevistado, Afonso Cruz costuma responder sobre as muitas viagens que fez pelo mundo. Talvez a melhor das viagens aconteça no universo prodigioso que ele carrega consigo, e que, generosamente, transforma em livros que dão origem a outros mundos em nós.