Sou capaz de compreender os que têm fé e os que cultuam os próprios demônios. Compreendo que quase todos os que alimentam demônios acreditem que os tormentos sejam produzidos pelo entorno, sempre no exterior de si. Compreendo até mesmo as pessoas que fazem da ostentação uma cultura e do acúmulo de posses a única possibilidade. Procuro ser compreensiva com aqueles que preferem o entretenimento em detrimento da arte. Sou capaz de compreender os que preferem se abster de arte, sobretudo os que têm bons argumentos para justificar tal abstenção - porque são, inconscientemente, artistas. Mas não há nada no mundo que me torne capaz de compreender a imobilidade mantida diante do sofrimento alheio; não consigo sequer imaginar qual é a parte da matéria humana que, endurecida, transforma pessoas em seres incapazes de manifestar compaixão.
Entristecida, lamento por aquele que, ainda que não perceba - porque nunca percebe -, se sentiu diminuído. Lamento ainda mais por quem, tendo em si todos os sentidos, tornou-se portador de uma sensibilidade débil, incapaz do gesto e cego pela frieza do olhar.