21 de ago. de 2013

Iluminuras

Ou De saberes

Em água fria e vinagre refocilavam as cenouras, os brócolis e o pimentão, vez por outra olhando de soslaio a enigmática vagem desconfiada. Aguardavam cada um a sua vez de, durante a ducha que leva os resíduos, serem tocados suavemente por mãos carinhosas e delicadas. Eram inúmeros e multicolores, todos eles dispostos sobre a bancada que a terna luz solar do prenúncio de primavera iluminava.
Sorriam as batatas já sem casca, experimentando a nudez desconhecida, deslizando graciosamente entre os corpos umas das outras. Tomates brilhavam pequenas bolas escarlate; e picados, miudinhos, repousavam um só, amorfo, na grande tigela de vidro azul-celeste.
O cheiro-verde, sentindo a água que tocava seus joelhos, farfalhava salsas e cebolinhas aos pares, bailando como encantado a valsa conduzida pela leve brisa úmida que, depois de acariciar as violetas brancas e roxas no parapeito, perpassava a grande janela sob o vitral.
Às quase onze de inverno, o azeite era calor sonoro enquanto a cebola recém-transparente preparava-se para dourar.
A cutela ainda virgem descansa solitária, em paz eterna, na última gaveta, sob a sombra poeirenta que alcança o chão. Condenada ao esquecimento, não inspira piedade.
Aqui não matamos porcos.


23 de setembro de 2008, no meu falecido blogue Rango na Madrugada.